Eu ando com muitas coisas na cabeça, o que é meio comum pra mim, e também ando com muitos problemas relacionados a comida, o que também é comum pra mim, [tw] sou uma mulher. Apesar de tudo isso, olhar pra internet no último ano tem me gerado um incomodo que pinicou no meu cérebro por muito tempo sem eu saber do que se tratava, até agora!
Na verdade, eu não tenho conhecimentos exatos sobre nada do que eu vou falar aqui, é tudo achismo e baseado em achados, mas se lhe for útil de alguma forma, azar o seu.
Começo: Anos 2000 e 2010
Quem viveu sabe... acho que os anos 2000-10 podem te lembrar sobre muitas coisas, mas um dos pontos mais marcantes para mim, pessoalmente, tem muito a ver sobre como os jovens eram retratados nos vídeo clipes que passavam no TVZ (sim, você tem quase 30 anos agora): gente descolada, jovem, embriagada e... extremamente magra.
Era todo mundo meio assim
Outro dia mesmo tava assistindo o filme Gente Grande (2010) e ainda não entra na minha cabecinha molinha o quão estranhas parecem as barrigas das meninas estadunidenses nos filmes dessa época, pois mesmo sendo brasileira desde sempre e frequentando a piscina praticamente todos os dias durante a infância, era quase impossível encontrar alguém com um corpo parecido com aquele.
As mulheres com as quais eu convivi, mesmo as muito magras, nunca pareceram tão... lisas? artificiais? não sei explicar, mas a questão é que aquele padrão de barriga chapada sempre pareceu fora de qualquer uma das realidades em que eu me encontrava frequentemente.
Quando eu entrei na pré-adolescência aconteceu comigo o que acontece com quase todo mundo: comecei a lidar com sintomas de transtorno alimentar (go girl, give us nothing - meu estomago😘). O medo da rejeição assola qualquer ser humano fora do padrão e, como eu sempre tive um braço de salgadera e um corpo mais largo por natureza, não foi possível não me comparar com as outras meninas pelas quais eu era "trocada" pelos meus interesses "românticos" (tá entre aspas por motivos de "mona, vc tinha 12 anos").
Tudo isso pra tentar explicar um dos questionamentos que vem me assombrando um pouco: por que alguém iria querer trazer essa parte ruim dessa época de volta em pleno 2024?? Tipo, gente??... vamos nos omitir!! vamos trazer de volta coisas melhores, sei lá, podia até ser as camisetas com a bandeira do Reino Unido (não podia não!!!).
Dica de look para a virada do ano
Meio: Oh... a nostalgia me levou a lugares que eu não iria com uma arma.
Já pararam pra pensar na quantidade de produtos que existem no mercado na data de hoje que vendem uma ideia de nostalgia? Pois é, eu não... bom, não até ler o texto genial da Isabela Thomé no Substack. É impressionante, não teve nem como segurar essa onda, quando a gente se deu conta todas as prateleiras já estavam tomadas por produto ultraprocessado/de beleza sabor marca que ninguém se lembra/dá a mínima. Vamos lá, mesmo a Oreo já foi uma coisa maior em 2010, quando pouquíssimas pessoas tinham acesso a esse tipo de produto importado, mas em 2024... talvez isso já não seja tão atrativo assim, certo? Errado!!! o marketing do capitalismo tá aí pra provar que quem acredita sempre cansa.
Seja bem-vindo de volta, Lúcifer!
Eu nem queria discorrer tanto sobre esse assunto por que, no fim, meu ponto aqui é só mostrar que a nostalgia é sim muito bem sequestrada pelo capitalismo quando lhe convém (e eita como convém!!) e com a moda não poderia ser diferente.
O jovem tiktoker/instagramer tem em sua mão uma máquina muito potente para fazer merda se expressar livremente e passar a merda na parede compartilhar seus gostos e interesses online com outras pessoas, porém, isso nos lembra o velho ditado chinês: com grandes trends, vem grandes oportunidades de transformar tudo em merda produto 🌟.
As identidades parecem passar por um processo de catalogação, hashtaguízação e separação para se tornarem cada vez mais fáceis de serem consumidas em forma de produto, seja por acessórios, itens de decoração ou roupas (!!) e, sem querer me gabar, mas acho que era aqui que eu queria chegar.
Final: Vai um ovinho de tênia aí?
Hm, certo... então se a nova moda jovem é relembrar os anos 2000/2010 que tal entrarmos de cabeça nisso? Vamos sim consumir Starbucks como se fosse algo bom de verdade, vamos sim começar a ver emos na rua de novo e, claro, vamos sim usar calça de cintura baixa!! Só tem um problema... meio que a gente nunca parou de odiar pessoas gordas :/
Parece meio óbvio falar isso, mas a moda realmente nunca se importou com pessoas fora do padrão de magreza extrema (e brancas, vale dizer), apesar da gente ter tido um suave vislumbre de respiro com o auge dos movimentos body positive, era tudo meio que uma mentira que nem nós mesmos conseguimos levar pra sempre.
Acho que isso vem de uma insatisfação com a gente mesmo que nunca deixou de fazer parte do nosso dia-a-dia, a nossa autoestima nunca foi nossa de fato e os padrões nunca mudaram pois o sistema continua o mesmo. O coletivo nunca foi tão coletivo assim e a aceitação coletiva não é nem de perto interessante pra um capitalismo que se alimenta da fissura gerada pela disparidade. A aceitação com a gente mesmo depende muito da aceitação do outro, mas como eu vou aceitar o outro se ele compete diretamente comigo por atenção e por afeto? Todo mundo quer ser amado e não só isso, eu quero ser mais amado que o outro, eu quero ser mais amado que você.
Uma moda como a da década passada expõe aquilo que nunca deixou de nos fazer inseguros, nossa barriga, nossas pernas, nossos braços e nossos seios. Uma moda como a da década passada expõe para as outras pessoas as nossas inseguranças e expõe também o corpo "perfeito" do outro, que é desejado e que, principalmente, não sou eu. A blogueira fitness pode usar a moda dos anos 2000, combina com ela, eu quero ser ela. A pessoa que pega ônibus comigo não, ela não combina e não encaixa, eu não quero ser ela, eu não sou assim, esse corpo não é o meu (por mais que seja o mais próximo do meu).
Eu quero ter sucesso, eu quero ser desejado, eu quero caber.
Talvez o que essa moda evidencie seja a capacidade do sistema de gerar a antipatia, o auto ódio, a competição e a morte do eu (coletivo e singular). Uma moda que acolhe em algum momento para de vender e, bom, acho que o é importante é nunca parar de vender... nem que seja ovo de tênia.